Tudo uma ilusão. A ilusão de um éden perfeito e
pacífico de participação política que sonhadores usam para justificar discursos
coloridos sobre uma pátria igualitária.
Ora, a Grécia naquela época sequer era una: as
Cidades-Estados tinham autonomia e peculiaridades suficientes para afastar a
ideia de um paraíso integralmente e ideologicamente contínuo – bem longe disso.
Por isso nos deteremos na famosa Atenas. A
democracia ateniense se iniciou patrimonialista e elitista. O demos não era o
povo no sentido objetivo que vemos hoje, mas tinha o sentido de cidadãos
reunidos em uma comunidade, ou seja, a democracia valia para quem era cidadão e
proprietário (e não uso o masculino aqui à toa).
O conhecimento e a Verdade grega (logos e aletheia)
eram unos e tinham origem nos deuses (como a própria propriedade) o que excluíam
da “humanidade” grega os seres exógenos.
Em parte, isso só começa a mudar com a infusão de
pensamentos menos ortodoxos na filosofia grega, e cá entre nós, para a história
esses “libertadores” ficaram como vilões: típico de todos aqueles que lutam
contra o sistema. Sabem de quem eu falo? Daqueles itinerantes que aprendemos a
chamar de charlatões, isso mesmo, os Sofistas.
Primeiro é válido ressaltar que o Sofismo dizia
muito mais respeito (se é que pode ser considerado um movimento uno) a um modus
operandi do que a uma escola de pensamento, já que as mais diferentes linhas de
raciocínio floresceram por ali. Mas traremos nosso enfoque em um ou dois nomes.
Pouco se sabe (em comparação a Platão ou
Aristóteles, por exemplo) sobre os pensadores sofistas, pois muito de seu
material se perdeu, mas alguns aforismos chegaram com destaque para nossos
dias. Protágoras uma vez disse (espero): “O homem é a medida de todas as
coisas”. E por aí vamos iniciar nossa conversa. Na semente da dialética.
Era o início da negação dos postulados universais
do pensamento grego, da aletheia divina. O conhecimento e a lei passam
definitivamente ao controle do homem.
Se esse homem era a humanidade em geral ou ainda
apenas o cidadão grego há controvérsias, mas pelo menos há um gérmen de
desestruturação da lógica aristocrática grega, excludente e elitista (com o
perdão do anacronismo, mas o uso apenas para a comparação que farei em seguida
com nossa sociedade).
Outra coisa, o conhecimento que antes era passado
somente pela tchné (técnica) divina, através de homens iluminados (filósofos) a
filhos de proprietários, passa a ser mais acessível com a propagação dos
sofistas que só tinham como condição o pagamento por seus ensinamentos: a
educação começa, incipientemente, a se universalizar.
O declínio das guerras gregas somado ao influxo de
estrangeiros em Atenas graças a expansão do comércio torna a sociedade ainda
mais heterogênea e, agora, uma heterogeneidade questionadora.
Para os aristocratas da época aquilo era
naturalmente uma afronta: a Verdade Absoluta estava se tornando relativa, a
educação se expandia e o governo da pólis não seria exclusiva de seres
iluminados. Cresce o subjetivismo. Um perigo pra coesão social
Que absurdo!
Um outro sofista, um tal de Péricles, vinha dizendo
que o governo da pólis não deveria restar nas mãos de poucos, mas de todo o
povo.
Quanto absurdo, meu deus.
Essa ruptura gerou crise, naturalmente. E as
belezas homéricas atenienses encontraram a dura realidade do embate. Dos
discursos. Do direito. Do hipossuficiente tutelado pelo nomos (norma, lei) e
não mais pela superioridade de alguns indivíduos ditada pelos deuses, pela
physis (lei natural ou física, em tradução livre).
Sete séculos depois:
A República Federativa do Brasil saiu da ditadura.
A Constituição passa a tutelar os hipossuficientes enquanto a educação vai se
expandido a difíceis passadas.
O governo não mais pertenceria a poucos, mas a
muitos indivíduos, pois a participação política foi expandida não só por
direito a voto direto, mas também de Participação Popular na administração pública.
A Verdade não é mais a Verdade da “Marcha pela
Família” (sic), mas também “as” verdades também de novos e progressistas
movimentos sociais. Não que os avanços sejam dignos de palmas, mas há mais
espaço para luta, há mais possibilidades na medida em que o povo participa. No
entanto, todos aqueles que tentaram lutar (porque democracia é, antes de tudo,
luta) por esses avanços restam e restarão como vilões para a história.
Ora, viram como a história se repete?
Com todo respeito que tenho por Platão (e quem me conhece sabe que o considero pakas),
mas ele não aceitou o questionamento dos Sofistas e tratou de sepultar sua
imagem para a história.
Será que nossos ganhos sociais serão também
sepultados por uma horda de interesses partidários e corporativistas?
A democracia é um problema sim, para aqueles que
perdem o Poder.
Quando se democratiza o pensamento e se questiona a
verdade, as pessoas são tratadas como subversivas, como bandidos.
Mas em Atenas havia uma justiça, a Díke, mas
infelizmente ela era divina e só servia pra quem
os deuses escolhiam.
Aqui também há justiça! E olha que ela nem é
divina, mas quem a opera por vezes se acham deuses.
Mas esta também escolhe.
Escolhe antagonizar classes. Escolhe o empresário e
o banqueiro. Escolhe o agro-pecuarista.
Afinal na festa do Éden não deve tocar Baile de
Favela.
A justiça escolhe trancar negros, pobres (isso
quando não mata) ao invés de educá-los.
Escolhe deixar estar o sistema.
Mas a vida, afinal, é feita de escolhas, menos para
quem não tem possibilidade de escolher.
A estes resta existir até morrer. E ser esquecido
pela história.
Como todos aqueles que não têm o glamour da
Verdade, do Conhecimento e do Poder.
Democracia é
o problema, não a solução. É um processo. Não é passiva, mas antes
de embate. Entre as diferenças. Entre o velho e o novo. Buscando coexistir.
Onde houver uma democracia muito pacífica e
silenciosa, desconfiem.
Adolfo Raphael Silva
Mariano de Oliveira
Coordenador-Executivo do
Núcleo de Cidadania Ativa UNESP/Franca
[1]Originalmente
publicado em minha coluna na revista jurídica eletrônica Lex Populi em 15 Mar.
2016. Link: http://bloglexpopuli.blogspot.com.br/2016/04/a-democracia-e-o-problema.html.
Vamos lutar e resistir até o sangue, pra não ver a nossa Democracia morrer! Ainda tem que ter jeito pra esse país!
ResponderExcluirTem sim!! Com a participação do povo!!
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